O músico da mitologia, retratado numa história de batalha interior, dor e paixão, sempre com sua lira, retrata o lutador que só consegue fazer o mal adormecer, sem conseguir destruí-lo e acaba por sucumbir vítima da incapacidade de superar sua própria insuficiência. Na lenda, Orfeu era um músico por excelência que conseguia apaziguar os elementos desencadeados pela tempestade, feitiçarias; encantava as plantas, os animais, os homens e até mesmo os deuses. Com essa magia consegue obter dos deuses infernais a liberdade de sua amada Eurídice que lá se encontrava morta vitimada enquanto fugia de Aristeu, porém uma condição lhe foi imposta: que não olhasse para a amada enquanto não chegasse à claridade do dia, tomado pela dúvida, Orfeu não resiste e ao olhar para Eurídice, essa desaparece para sempre; inconsolável Orfeu entrega suas forças e termina mutilado pelas mulheres trácias, das quais ele sempre desprezou os amores.
No conjunto da sua lenda, Orfeu se apresenta sempre como sedutor, de uma forma ou de outra, seja no todo ou em cada parte. Em todos os níveis do cosmo e do psiquismo: o céu, a terra, o oceano, os infernos, o subconsciente, a consciência, a supraconsciência; dissipa as cóleras e as resistências; enfeitiça. Mas no fim de tudo fracassa. Ele não consegue escapar da contradição de suas aspirações ao sublime. É o homem que violou a proibição e ousou olhar o invisível.